RIO – A disputa por uma fusão entre a 3R, PetroReconcavo e Enauta marca o início do movimento de consolidação entre as petroleiras independentes de médio e pequeno porte que surgiram nos últimos anos no Brasil.
A dinâmica já era esperada por especialistas, pois traduz um amadurecimento desse mercado, que floresceu ao final da década passada a partir da aceleração na venda de ativos da Petrobras.
Em uma primeira onda, os desinvestimentos iniciados em 2015 levaram ao surgimento de uma série de operadores menores no país, focados sobretudo na produção em campos maduros.
Essas empresas assumiram ativos terrestres e em águas rasas que não eram mais interessantes para a estatal, mas ainda tinham potencial para gerar valor, com aumento da produção a custos mais baixos.
O contexto foi favorecido ainda por iniciativas do governo para estimular o mercado. O E&P passou por reformas a partir do governo de Michel Temer, como a redução dos royalties para aumento de produção incremental em campos maduros e novas alternativas de financiamento, por exemplo.
Foi esse cenário que levou à expansão da PetroReconcavo, da Prio (antiga PetroRio) e da Eneva, além da criação de empresas como 3R Petroleum, Origem Energia, Carmo Energy e Seacrest. Houve também a entrada de novos operadores no país, como Perenco e Petro-Victory.
Juntas, as companhias independentes operam hoje 278 campos e 161 blocos exploratórios no Brasil, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Em janeiro de 2024, a produção operada por petroleiras independentes no país ficou em 363,2 mil barris de óleo equivalentes por dia (boe/dia).
A expansão das empresas menores por meio da compra de ativos desacelerou em 2023, com a interrupção das vendas da Petrobras, conforme diretriz do terceiro governo Lula.
A partir de agora, o crescimento das reservas das companhias independentes vai precisar ocorrer por meio da intensificação de campanhas exploratórias ou de fusões e aquisições.
A seguir, a agência epbr detalha os movimentos e explica as motivações por trás da consolidação:
Por que consolidar?
Cada aquisição tem motivações particulares, mas o movimento indica que o setor está saudável e busca reduzir custos, com a ampliação da escala das operações. Cargas maiores de petróleo são mais competitivas e ampliam a chance de acessar mercados, além das compras feitas pela Petrobras.
Empresas maiores e com interesses em comum para o segmento, têm mais musculatura para defender políticas direcionadas e acabam criando laços mais profundos com os estados onde atuam.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), Márcio Félix, a consolidação é um passo “natural” e essas empresas agora vão em busca de uma escala maior.
“A fase ‘romântica’, de adquirir ativos, já passou. Agora é só quem investiu que vai ter o melhor resultado”, afirma.
O executivo lembra que o Brasil tem cerca de 80 companhias independentes, o que considera pouco em relação a outros países, como os Estados Unidos, que tem centenas. Segundo ele, é importante manter a diversidade de empresas no setor.
Para Félix, a busca por fusões e aquisições também é uma reação aos recentes movimentos de ampliação da taxação sobre o setor no país.
Além disso, com mais robustez e competitividade vai ser mais fácil para essas empresas lidar com as variações do preço das commodities e com as incertezas da transição energética.
“Quem se consolida se torna um pouco mais forte”, diz o sócio líder de energia e recursos naturais da KPMG, Anderson Dutra.
Por que comprar outra empresa agora?
As companhias independentes ficaram com opções restritas para ampliar o portfólio depois da interrupção da venda de ativos da Petrobras, assim como de outras majors, que também estão revendo possíveis desinvestimentos no Brasil.
Além disso, a maioria das compradoras dos ativos da Petrobras realizou uma primeira onda de otimização das operações, redução de custos e melhoria da margem. Muitas dessas empresas já estão colhendo os frutos de um primeiro aumento de produção nos campos adquiridos, em um contexto de preço do barril favorável.
“O movimento natural esperado na sequência é de consolidação, para aumentar a escala e, com isso, dar um segundo salto de rentabilidade”, afirma o sócio líder de fusões e aquisições em energia e recursos naturais da KPMG, Adriano Levi.
Quais são as principais empresas candidatas a realizar fusões e aquisições?
Especialistas ressaltam que duas empresas que estão bem posicionadas em termos financeiros para entrar em dinâmicas de fusão e aquisição são a Eneva e a Prio. Ambas têm produção robusta, com ativos consolidados.
Parte das novas fusões e aquisições, entretanto, pode não se restringir ao mercado de petróleo e gás, mas também buscar outros segmentos que tenham sinergia com os ativos existentes. A Eneva, por exemplo, já vem fazendo movimentos nesse sentido em 2022, com a compra da Focus Energia, de geração renovável, e da Celse (Centrais Elétricas de Sergipe). Ao final do ano passado, a Eneva também propôs uma fusão com a Vibra, que foi rejeitada pelo conselho da distribuidora de combustíveis.
O que deve ocorrer no setor depois desse movimento?
A tendência é que, com a ampliação do portfólio, as empresas independentes brasileiras se fortaleçam para iniciar campanhas exploratórias. As atividades de exploração são consideradas operações de maior risco, além de exigirem investimentos altos.
Até então, a maior parte dessas empresas focou esforços no aumento da produção nos ativos existentes, sobretudo a partir da intervenção e perfuração em poços e revitalização de equipamentos.
“Existe espaço para campanhas exploratórias em áreas fronteiriças que hoje não estão sendo exploradas e que podem, eventualmente, ser de interesse de players que se estabeleçam no país a partir de operações de fusão”, diz Levi.
Há alguma semelhança com a consolidação em curso nos Estados Unidos?
Não. O movimento no cenário das empresas independentes brasileiras é local e reflete o amadurecimento de um mercado incipiente. Portanto, é diferente do que vem ocorrendo no norte-americano, onde diversas majors anunciaram aquisições nos últimos meses. No ano passado, a ExxonMobil anunciou a compra da Pioneer Natural Resources e a Chevron fez uma proposta pela Hess. Os negócios nos Estados Unidos foram vistos como esforços das majors para ampliar a produção de forma rápida e reforçar a aposta em regiões em crescimento.
Quais são as principais transações até agora?
Maha/PetroReconcavo
Na prática, foi o primeiro grande movimento nesse sentido. A Maha é uma empresa sueca que havia entrado no Brasil com a compra dos campos terrestres de Tartaruga (Sergipe) e Tiê (Recôncavo), além de quatro blocos exploratórios para petróleo e gás, da Petrobras.
Em dezembro de 2022, a PetroReconcavo anunciou a compra da Maha por US$ 138 milhões.
Naquele ano, o então presidente da PetroReconcavo, Marcelo Magalhães, havia indicado que a empresa estava monitorando oportunidades no mercado.
“Naturalmente haverá alguma consolidação, há alguns pequenos produtores com quem podemos agregar valor”, afirmou em uma teleconferência com investidores em agosto de 2022.
3R/PetroReconcavo
Depois de vender os ativos para a PetroReconcavo, o próximo movimento da Maha no Brasil foi entrar com uma participação na 3R Petroleum. A sueca passou a deter 5% do capital da 3R e em janeiro de 2024 propôs a fusão entre as empresas brasileiras.
Até o momento, as petroleiras assinaram um termo de confidencialidade para troca de dados e estão trabalhando em processos de verificação e diligência separadamente.
No final de março, a 3R elegeu um novo conselho de administração, o que deve facilitar o andamento das negociações, com a ampliação da influência da Maha no colegiado.
Ainda não está claro qual pode ser o tamanho da produção das empresas combinadas, dado que não há certeza sobre quais ativos vão integrar a companhia consolidada.
Existe a possibilidade, por exemplo, de que a fusão contemple apenas os ativos terrestres das empresas, com a separação dos ativos offshore da 3R, proposta inicial da Maha.
Ambas as companhias já sinalizaram interesse na operação. Uma peça-chave do negócio é a unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Guamaré no Rio Grande do Norte, operada pela 3R. A PetroReconcavo contrata os serviços da unidade para processar o gás produzido na Bacia Potiguar.
“Esse caso tem uma integração muito boa entre os ativos. Por um lado, uma capacidade produtiva robusta da PetroReconcavo, especialmente no gás. E a 3R tem uma UPGN parcialmente ociosa, em Guamaré”, afirma Levi, da KPMG.
A análise sobre a fusão, no entanto, foi interrompida no começo de abril, depois que uma nova proposta de combinação com outra petroleira independente foi apresentada à 3R.
Enauta/3R
No começo de abril, a Enauta também decidiu propor uma fusão com a 3R. O presidente do conselho de administração da Enauta, Mateus Tessler, e o CEO da companhia, Décio Oddone, argumentaram em carta enviada ao conselho da 3R que a combinação entre as empresas seria superior à proposta feita pela Maha.
A companhia optou então por suspender a avaliação da fusão com a PetroReconcavo por 30 dias para avaliar a nova proposta, que prevê que os acionistas da 3R fiquem com 53% do capital da nova empresa e os acionistas da Enauta, com 47% do total.
A operação traria vantagens sobretudo com a combinação de campos marítimos estratégicos, o que ajudaria na ampliação da produção e na otimização de campanhas de perfuração.
A Enauta opera apenas um ativo em produção, o campo de Atlanta, na Bacia de Santos. Também opera o campo vizinho, Oliva, e tem participações em blocos exploratórios nas bacias de Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Sergipe-Alagoas e Paraná.
Um relatório do UBS sugeriu que a melhor opção seria a fusão das operações offshore da 3R com a Enauta e dos ativos onshore com a PetroReconcavo.
Enauta/WAO
No mês passado, a Enauta anunciou a venda de uma participação minoritária de 20% nos campos de Atlanta e Oliva para a Westlawn Americas Offshore (WAO), companhia americana que atua principalmente no Golfo do México. O acordo foi fechado por US$ 301,7 milhões.
Segundo a Enauta, a parceria vai ajudar a fortalecer o balanço para “acelerar oportunidades de expansão orgânica e inorgânica, remuneração aos acionistas e acesso a fontes competitivas de capital”.
“Parcerias são fatores importantes para a geração de valor e compartilhamento de riscos no desenvolvimento de megaprojetos como Atlanta e Oliva”, afirmou a companhia em comunicado.
Prio/Enauta
Em 2023 a possibilidade da compra da Enauta pela Prio surgiu em comentários no mercado, no contexto da reorganização de capital da Queiroz Galvão. Na ocasião, ambas as empresas negaram. Em março, o Bradesco converteu créditos que detinha na Queiroz Galvão e passou a ser o principal acionista da Enauta.
“A Prio informa não haver na presente data nenhuma tratativa, negociação ou acordo em andamento a respeito de qualquer aquisição ou fusão com a Enauta”, reforçou a companhia em nota enviada à agência epbr.
Questionada novamente, a Enauta afirma que está atenta às oportunidades no mercado, mas não comenta sobre possibilidades de fusões ou aquisições.
A Prio é hoje a maior companhia independente brasileira em termos de produção, com uma extração de 102,7 mil barris de óleo equivalentes por dia em janeiro. As atividades estão concentradas na Bacia de Campos, onde opera as áreas de Polvo, Tubarão Martelo, Frade, Wahoo e Albacora Leste.